O afeto, para o entendimento deste texto, deve ser considerado como o modo que afetamos o outro ou como outros nos afetam, sendo estes outros pessoas, objetos ou fatos.
Existem pessoas que simplesmente que reagem a odores ou fragrâncias, sons ou ruídos, ou fatos inusitados do cotidiano. Medicamentos e drogas “afetam” a percepção e o padrão de reações físicas e psicológicas. Odores como gasolina, água sanitária, gritos, gargalhadas, sussurros, críticas ou elogios, entre outros estímulos, podem gerar modificações drásticas no comportamento de pessoas, independente de classe social ou econômica, grupo cultural ou étnico.
Estas hipóteses, afetos possíveis, se reproduz em todos os ambientes nos quais existam pessoas. Naturalmente, a sala de aula é um local privilegiado para a ocorrência e recorrência destas descrições e possibilidades de interação entre pessoas, sejam educadores, aprendentes, familiares ou membros da comunidade.
A SALA DE AULA
A sala de aula é um local no qual sempre se deseja construir afetos, dentre muitos destaca-se a aprendizagem. À medida que a mediação de educadores altera o padrão de percepção e reação dos educandos, pode-se afirmar que há a construção de afetos. Segundo Paulo Freire (1996), todo mundo que ensina, aprende enquanto ensina. E todo mundo que aprende, ensina enquanto aprende. Neste pensamento há um claro reconhecimento de afeto, mútuo e interativo.
A Educação formal constitui-se num modo direto e sistematizado de construção de afetos. Deseja-se um cidadão que responda de modo socialmente aceitável para a sociedade, assim como este mesmo cidadão possa perceber de a sociedade de certo modo que lhe seja aceitável. Quando pensamos na formação de cidadãos, pensamos também na manutenção de cidades. Ou seja, desejamos, em última instância, um padrão de estímulos e respostas que permita aos interlocutores manterem-se em um padrão de convivência aceitável.
Todo padrão de reação torna-se uma aprendizagem, seja cognitiva, psicomotora ou afetiva, e a sala de aula propicia todas as suas formas. Na realidade, a sala de aula busca esta ocorrência.
FORMAS DE AFETO
Dentre as formas de afeto perceptíveis entre pessoas, podemos citar: o sentimento, a emoção e a paixão.
O sentimento é um modo de afeto baseado na razão. O padrão de comportamento é calmo sem grandes osciliações. Em geral está relacionado à manutenção de uma relação. Exemplo, a pessoa justifica o seu comportamento por construtivo, racional e socialmente desejável por alegar “gostar” da pessoa ou situação relacionada, a qual deseja sua manutenção.
A emoção possui características diferentes:
1. A emoção sempre afasta a pessoa da razão na proporção direta de sua influência. Quanto mais emocionado, menos racional.
Exemplo: é comum pessoas sob forte emoção praticarem atos que normalmente não fariam, algumas não reconhecendo o próprio comportamento. Em casos extremos a situações que chegam a ações instintivas e brutais.
2. A emoção sempre pode ser reconhecida através de manifestação física. O tônus muscular se altera e percebe-se hipertonia ou hipotonia dependendo da constituição física da pessoa afetada ou da natureza da emoção.
Exemplo: é comum alteração de humor, mudança de expressão facial e, em casos extremos, desmaios ou rigidez corporal que gera uma espécie de paralisia anulando reflexos.
3. A emoção sempre é contagiante e dissemina-se no ambiente no qual ocorra. Percebe-se, em situações de extrema emoção, manifestações de pessoas que nada teriam haver com o fato ou ocorrência observados.
A paixão é o que particularmente interessa ao educador. A paixão é o fator dinomogênico da inteligência, e pode ser traduzida como a razão a serviço do desejo. A pessoa movida pela paixão, em nossa percepção, elabora estratégias racionais para alcançar seus desejos, quando estes se tornam objetivos. A criança deseja muito um objeto, e que constrói uma estratégia inteligente para alcançá-lo quando o mesmo se encontra muito acima de sua estatura e para tal ação, elabora uma extensão do seu braço, esta sendo movida pela paixão.
Para melhor entendermos estes modos de afeto, consideremos: se a criança é movida pelo sentimento ela atende de forma serena a orientação do seu mediador (professor ou pai, por exemplo). Se diante da mesma situação ela for tomada pela emoção, provavelmente se manisfestará fisicamente na proporção da emoção. Crianças que fazem birra são exemplos de manifestação de emoção, a razão simplesmente perde espaço. Mas, se a criança desejar muito algum objeto ou situação particular, ela tentará convencer seu mediador de modo racional, caso não consiga ela tentará de modo racional construir estratégias que a conduzam a obtenção de seu objetivo. Isto é paixão.
A APROPRIAÇÃO PEDAGÓGICA E TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA DE SABERES SOBRE AFETIVIDADE.
O educador, em posse destas considerações, poderá intervir de modo a equilibrar os afetos em ambientes educacionais, seja em sala de aula ou outro espaço formal como uma quadra de esportes da escola.
Percebe-se que a emoção deve ser mediada de modo a aproximar-se do sentimento ou paixão, pois, provavelmente, professores não desejam uma turma com vinte ou mais alunos compartilhando uma catarse coletiva, da qual ele tem pouco ou nenhum controle em dado momento. Entretanto, este mesmo educador, provavelmente, gostaria de observar seus aprendentes motivados por conteúdos, disciplinas, livros ou objetos de aprendizagem, pois, isto facilita o trabalho de ambos, educador e aluno, já que buscam voluntariamente algo em comum dentro do mesmo objeto. Esta busca pode ocorrer por motivos diferentes, mas sempre é desejada. Esta busca a que me refiro é a vontade de conquistar algo, e a aprendizagem torna-se estratégia para a conquista.
Se montarmos um quadro de relações poderíamos assim dispor:
Sentimento – vivência: manutenção de relação por argumentação racionais, mas sem motivação que provoque grandes variações na aprendizagem;
Emoção – experiência: tentativa e erro, com o afastamento da razão a aprendizagem fica profundamente comprometida;
Paixão – inteligência: elaboração de estratégias para enfrentar desafios e conquistar desejos e objetivos. A aprendizagem torna-se conseqüência de construção de autonomia da pessoa. Pode, inclusive, gerar comportamentos e respostas autodidatas.
Para concluirmos, vale salientar que baseado no pensamento walloniano, pode-se afirmar que a afetividade surge antes da inteligência e pode afetar profundamente o seu desenvolvimento.
SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS:
ALMEIDA. Ana Rita Silva. A emoção na sala de aula. Campinas. SP: Papirus, 1999 – (Coleção Papirus Educação).
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários á prática educativa. São Paulo, SP: Paz e Terra, 1996. – (Coleção Leitura).
GALVÃO, Izabel. Henri Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento infantil. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995. - (Educação e conhecimento).