terça-feira, 18 de maio de 2010

Aprendizagem, Psicomotricidade e leitura

Marcos Marcelo F.  Barreto.


Toda aprendizagem ocorre através do corpo. Os orgãos sensoriais, os membros e o corpo como um todo, são interfaces (portas de comunicação) de entrada e saída de informações processadas pelo Sistema Nervoso Central - SNC, de forma consciente ou não. As reações deste corpo são resultados de sua busca pelo equilíbrio entre processos endógenos e exógenos. Este evento, a homeostase, é um dos processos de aprendizagem no qual o corpo se adapta e responde ao ambiente. Estas respostas podem ser desde a adequação da temperatura interior ao ambiente exterior, como também podem constituir-se em repostas elaboradas dentro de sistemas de representações cognitivas, abstratas ou concretas, psíquicas através da fala, escrita expressão corporal ou ação do corpo sobre qualquer objeto, inclusive sua própria matéria.

Para Oliveira (2007),
Uma pessoa para manipular objetos da cultura em que vive precisa ter certas habilidades que são essenciais. Ela precisa saber se movimentar no espaço com desenvoltura, habilidade e equilíbrio, e ter domínio do gesto e do instrumento (coordenação fina). Esses movimentos, desde o mais simples ao mais complexo, são determinados pelas contrações musculares e controlados pelo sistema nervoso (BRANDÃO, 1984, p17). Dependem, portanto da maturação do sistema nervoso (p.41).
Quando, por qualquer motivo, ocorre um mau funcionamento de funções de qualquer parte do corpo, sejam primarias (originadas no SNC) ou secundárias (orgãos periféricos, sensoriais ou membros), haverá um provável comprometimento nos processos de aprendizagem.

Segundo Cabral (2001, p.16), “é no domínio da ação que o corpo se especifica como instrumento de adaptação à realidade. À medida que o corpo age, vai ocorrendo a maturação neurológica e a organização dos movimentos e gestos”. A ação supra referida é o próprio processo de aprendizagem, posto que, acredita-se, que todo ação gera uma nova experiência e consequentemente, uma nova aprendizagem, que por sua só se estancaria com a morte deste corpo físico. Ou seja, enquanto houver adaptações do corpo à realidade, haverá aprendizagem, o movimento seja fisicamente observável ou de ordem psicológica ou não, porquanto, ainda que o corpo encontre-se em repouso, o cérebro continua funcionando construindo conexões sinápticas que objetivam manutenção dos processos vitais, ou processando vivências emocionais e outras representações psicológicas e/ou cognitivas.

DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR.

Todas as atividades desenvolvidas pelo homem são resultantes de conjuntos de habilidades combinadas. Dentre as habilidades psicomotoras Oliveira (2007) destaca:
1. Coordenação global. Refere-se à atividade dos grandes músculos. Implica diretamente na postura e equilíbrio. Também permite a dissociação de movimentos e procura do individuo pelo eixo corporal. “Quanto maior o equilíbrio, mais econômica será a atividade do sujeito e mais coordenadas serão suas ações (p.41)”.
2. Coordenação fina e óculo-manual. Refere-se a destreza e habilidade manual e constitui-se em um aspecto particular da coordenação global. “uma coordenação elaborada dos dedos da mão facilita a aquisição de novos conhecimentos (p.42)”. Ações como desenhar e riscar tornam-se habilidades preparatórias para a aquisição da leitura e escrita. Destaca-se que apenas coordenação fina não dá conta de garantir a escrita, é importante e necessário que também possua um controle ocular, no qual, os gestos da mão sejam acompanhados pelos olhos, pelo olhar. Isto é chamado de coordenação visomotora.

ESQUEMA CORPORAL

“O corpo é uma forma de expressão da individualidade”
Gislene de Campos Oliveira (2007, p. 47).

A forma como o indivíduo percebe o próprio corpo é que se chama de imagem corporal. A expressão esquema corporal data de 1911 e surgiu com o Henry Head, e tinha um cunho neurológico. O conceito de corpo envolve um conhecimento intelectual e consciente do corpo e também da função de sues órgão (OLIVEIRA, 2007).
O córtex cerebral recebe informações das vísceras, das sensações e percepções táteis, térmicas, visuais, auditivas, e de imagens motrizes, o que facilitaria a obtenção de uma noção, um modelo e um esquema de corpo e de suas posturas. Head ainda afirma que o esquema corporal armazena não só as impressões presentes como também as passadas (p.48).

O desenvolvimento do esquema corporal é originado com a experienciação do corpo da criança que o constrói mentalmente, de forma gradual, dependo do uso que faz do deste corpo sintetizando sua experiência corporal. Não está relacionado diretamente com a tomada de consciência de elementos distintos que compõem seu corpo. O processo é subjetivo e complexo.

LATERALIDADE

Constitui-se na propensão do indivíduo utilizar, preferencialmente, mais um lado. É balizado por três níveis mão, olho e pé. Há pessoas que manifestam esta dominância do mesmo lado, são chamadas de destra homogênea (lado direito) ou canhota, ou sinistra homogênea (lado esquerdo). Quando ocorre a manifestação de movimentos nos dois lados e nos três níveis diz-se que o indivíduo é ambidestro. Contudo, há casos em que um dois três níveis encontra-se em oposição aos outros dois, neste caso configura-se o que chamam de lateralidade cruzada (OLIVEIRA, 2007).

DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR E APRENDIZAGEM DA LEITURA E ESCRITA

A leitura e escrita constituem-se em processos de cognitivos que permitem ao ser humano perpetuar sua cultura, saberes e conhecimentos, comunicar e expressar pensamentos, sentimentos, emoções, idéias e tudo o mais que lhe for possível criar. Segundo Le Boulch (1987, p.59), o domínio da língua escrita é derivado de um conjunto de condições: o domínio da linguagem, sua pronúncia e sintaxe; a familiarização global com o código gráfico; e condições psicomotoras.

Existem aspectos funcionais do aprendizado da leitura (ibid, p. 31), então, tanto a codificação (escrita) quanto a descodificação (leitura) alfabética ou de outro sistema de grafema-fonema, solicitam a atuação de sistemas psicomotores.

“A escrita é, antes de mais nada, um aprendizado motor” (LE BOULCH, 1987, p.32). Para se adquirir esta práxia especifica, e complexa, necessita-se que haja um preparo que proporcione motricidade espontânea, coordenada e rítmica. Este preparo pode evitar o surgimento de disgrafia. A função de interiorização é exigência deste aprendizado. A prática constante conduz a uma progressiva espontaneidade.

A percepção e representação mental do espaço influenciam a leitura e escrita. A imagem do corpo orientado mantém relação com surgimento de problemas como disgrafia e dislexia. Do mesmo modo, a dislateralidade manifesta-se, entre outras formas, em processos de aquisição de leitura e escrita. Neste sentido, Launay (1952, apud LE BOULCH 1987, p.33) afirma que “nossas próprias observações nos permitem afirmar que em muitos casos de dislexia, constata-se uma dominância lateral cruzada da mão e visão”.

A psicomotricidade constitui-se, ou pelo menos deveria constituir-se, em elemento fundamental de pesquisas sobre processos de leitura e escrita, em qualquer nível ou abordagem. A fala, leitura e escrita são funções do sistema funcional da linguagem. O ser humano utiliza-se de três sistemas verbais o auditivo, que necessita de menor maturidade cognitiva. Já a leitura e escrita dependem do desenvolvimento e maturação de outras funções psicomotoras.

CAUSAS DE DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM DE LEITURA E ESCRITA.

Dentre as causa de distúrbios de aprendizagem de leitura e escrita classificadas abaixo, segundo José (2006) de forma genérica. Vale salientar que o individuo não necessita apresentar todas as características aqui descritas:
Orgânicas – deficiências sensórias e/ou motoras, intelectuais, disfunção cerebral, cardiopatias, encefalopatias e outras doenças de longa duração.
Psicológicas – desajustes de ordem emocional por medo, baixa auto-estima, ansiedade ou insegurança.
Pedagógicas – métodos inadequados de ensino, falta de estímulos aos pré-requisitos para aprender nas etapas do processo de escolarização, falta de atenção ao nível de desenvolvimento da criança, atendimento precário ao aluno devido superlotação de classes escolares, relacionamento professor-aluno entre outros.
Sócio-culturais – choques culturais, falta de estimulo, desnutrição, marginalização de diversas origens.
Dislexia – distúrbios de leitura.

Dentre estes a Dislexia é citada e merece a atenção de pesquisadores da área de psicomotricidade, portanto, verifica-se segundo José (2006) algumas características encontradas em crianças com dislexia: memória - dificuldades auditiva e visual de reter informações; orientação espaço-temporal – incapacidade de reconhecer direita e esquerda, incapacidade de conhecer horas, dias da semana etc.; esquema corporal - conhecimento deficiente do próprio esquema corporal, dificuldades na postura corporal em relação ao espaço em que vivem; motricidade – distúrbios secundários de coordenação motora global e fina que atrapalham o equilíbrio e a destreza; distúrbios topográficos – incapacidade de compreender legendas em mapas, entender escalas que são utilizadas para definir o espaço real; soletração – incapacidade de revisualizar e reorganizar auditivamente as letras.

CONCLUSÕES

A psicomotricidade é um instrumento de auxílio na compreensão de problemas de aprendizagem e no planejamento de intervenções, pois se sabendo sobre causa de problemas, suas origens e como se dá sua relação com o corpo, instrumento da aprendizagem, pode-se promover ações mais precisas, logo com maior possibilidade de sucesso.

Os problemas de aprendizagem são um desafio a educadores, autoridades públicas e famílias. Muitas vezes por falta de informação, preconceitos são disseminados realimentados e acabam por condenar indivíduos a modos de vida com baixa qualidade social, econômica, psicológica e mesmo educacional.

Cabe a educadores e pesquisadores da psicomotricidade construírem uma ponte de conhecimentos, sustentada por ações efetivas que possam auxiliar a sociedade a promover ações inclusivas, reeducativas e informativas sobre o trato para com pessoas que possuam qualquer tipo de comprometimento psicomotor.

REFERÊNCIAS

LE BOULCH, Jean. Educação psicomotora. A psicocinética na idade escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987.

JOSÉ, Elisabete da Assunção. COELHO, Maria Teresa. Problemas de aprendizagem. 12 ed. São Paulo: Ática, 2006.

OLIVEIRA, Gislene de Campos. Psicomotricidade: educação e reeducação num enfoque psicopedagógico. 12 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.

2 comentários:

  1. Gostei da imagem do homem vitruviano, de Da Vinci. Parabéns!
    Luiz

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  2. Que bom. Finalmente um espaço de discussão que poderá auxiliar diretamente a qualidade de vida de pessoas com necessidades especiais, seus familiares e educadores.

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